Teoria da Constituição

Teoria da Constituição: conceito

A Constituição é definida como um conjunto de normas jurídicas estabelecidas por meio do poder constituinte, com o objetivo principal de regular a forma de Estado, a forma de governo, a organização do poder, a estrutura e funcionamento dos órgãos estatais, os limites de atuação do poder público, os direitos fundamentais e suas respectivas garantias e remédios constitucionais, além da ordem econômica e social.

Em termos conceituais, distingue-se entre o conceito formal e o material de Constituição. A Constituição formal refere-se ao documento ou instrumento jurídico, aprovado ou reformado por um processo especial, que contém as normas de maior hierarquia dentro do ordenamento jurídico. Já a Constituição material é o conjunto de normas jurídicas que regula a divisão do poder político, a definição e a proteção dos direitos fundamentais, os objetivos da ordem econômica e social, bem como os métodos de aplicação e os mecanismos de defesa das normas constitucionais.

Natureza Jurídica da Constituição

A natureza jurídica da Constituição pode ser analisada sob diferentes enfoques: sociológico, político e estritamente jurídico.

Constituição em Sentido Sociológico

Sob a ótica sociológica, conforme a teoria de Ferdinand Lassalle, a Constituição é entendida como o conjunto de fatores reais de poder. Esses fatores abrangem forças de natureza política, econômica e religiosa que influenciam o ordenamento jurídico de uma sociedade. Nesse contexto, distingue-se entre a Constituição real ou efetiva e a Constituição escrita. A Constituição real ou efetiva refere-se aos fatores de poder que, de fato, regulam a sociedade em determinado tempo e lugar. Por outro lado, a Constituição escrita é o conjunto de normas jurídicas que traduzem esses fatores reais de poder para o plano normativo, sendo registrada em documentos formais. A durabilidade da Constituição escrita depende de sua harmonia com os fatores reais de poder; caso haja um conflito entre elas, pode ser necessária uma reforma constitucional ou uma mudança nos fatores reais de poder para restaurar a estabilidade.

Constituição em Sentido Político

Na concepção política, elaborada por Carl Schmitt, a Constituição é vista como o resultado de uma decisão política fundamental, ou seja, a vontade expressa pelo titular do poder constituinte. Neste contexto, faz-se a distinção entre lei constitucional e Constituição. A lei constitucional pode ser alterada por meio de reforma, conforme os procedimentos estabelecidos pela própria ordem constitucional. Já a Constituição, no sentido político, é uma expressão de decisões políticas fundamentais que não podem ser modificadas, pois envolvem a essência da unidade política e da organização social. A Constituição pode ter diferentes sentidos: absoluto (conjunto da unidade política e organização social), relativo (preceitos jurídicos com significados e alcances variáveis), positivo (forma de existência da unidade política) e ideal (princípios políticos presentes no Estado).

Constituição em Sentido Estritamente Jurídico

De acordo com a teoria de Hans Kelsen, a Constituição é a lei fundamental do Estado, podendo ser analisada sob duas perspectivas: a Constituição em sentido lógico-jurídico e a Constituição em sentido jurídico-positivo. A Constituição em sentido lógico-jurídico é uma norma hipotética, um pressuposto lógico necessário à validade das normas constitucionais positivas. Já a Constituição em sentido jurídico-positivo refere-se à norma suprema que fundamenta a criação, alteração ou extinção das normas dentro de um ordenamento jurídico. Para Kelsen, a Constituição é composta por normas que são essencialmente técnicas e independem das aspirações sociais ou da vontade política. Embora sua teoria tenha revelado a natureza “dever-ser” da norma jurídica, ela foi criticada por seu formalismo excessivo, que negligencia as influências sociais e políticas no campo do Direito Constitucional.

Outras Concepções sobre a Natureza Jurídica da Constituição

Além das abordagens mencionadas, a doutrina estrangeira identifica outras concepções sobre a natureza jurídica da Constituição. Entre elas, destacam-se:

  • Concepção jusnaturalista: a Constituição é vista como um conjunto de princípios de Direito Natural, especialmente no que tange aos direitos fundamentais da pessoa humana.
  • Concepção juspositivista: a Constituição é entendida como um conjunto de normas de Direito Positivo, sem considerar aspectos axiológicos.
  • Concepção historicista: a Constituição é resultado do processo histórico, refletindo as relações econômicas, políticas e sociais de uma época.
  • Concepção marxista: a Constituição é uma expressão da infraestrutura econômica, condicionada pela ideologia dominante de determinado Estado.
  • Concepção institucionalista: a Constituição é vista como a manifestação de ideias duradouras que existem em uma sociedade.
  • Concepção culturalista: a Constituição é considerada um fato social, relacionado à filosofia dos valores.
  • Concepção estruturalista: a Constituição é entendida como produto das estruturas sociais, regulando e equilibrando as relações políticas e suas transformações.
  • Concepção dirigente: a Constituição é vista como um programa que orienta a ação dos poderes públicos, com o objetivo de ser implementado no futuro.

Funções da Constituição

A Constituição desempenha duas funções principais nas sociedades pós-modernas: a “pretensão de estabilidade”, que exige que a Constituição seja um estatuto jurídico do político, e a “pretensão de dinamicidade”, que demanda que a Constituição seja capaz de se adaptar às mudanças sociais. Segundo Costantino Mortati, a Constituição possui três funções principais: unificação, garantia e identificação.

  • Função de unificação: A Constituição tem a função de fundamentar a validade das normas que compõem o ordenamento jurídico do Estado. Essa função está relacionada à unidade da Constituição, que confere um caráter sistemático ao ordenamento jurídico, sendo a base para a produção do Direito Positivo.
  • Função de garantia: A Constituição visa garantir a estabilidade das relações sociais, assegurando que os direitos fundamentais e as estruturas políticas sejam preservados. Esta função está associada à rigidez constitucional, uma vez que as normas constitucionais só podem ser modificadas por meio de um processo de reforma qualificado, mais complexo do que o processo legislativo ordinário.
  • Função de identificação: A Constituição é responsável por assegurar que os objetivos do Estado sejam mantidos diante das mudanças sociais. Ela garante que as finalidades essenciais do Estado sejam preservadas, independentemente das transformações nas instituições ou nas orientações políticas particulares.

Essas funções garantem que a Constituição atue como a base estável para o funcionamento do Estado e da sociedade, ao mesmo tempo em que possibilita a adaptação às mudanças sociais e políticas ao longo do tempo.

Objeto da Constituição

O objeto da Constituição consiste na estrutura fundamental do Estado e da sociedade. Ela tem como função estabelecer as bases jurídicas que organizam o Estado, garantindo as condições para a convivência social. Quanto à sua sistematização, a Constituição brasileira é composta por duas partes principais: uma parte orgânica, que se refere à “Teoria do Estado”, e uma parte dogmática, que se relaciona com a “Teoria dos Direitos Fundamentais”. O destaque dado a esses direitos na estrutura constitucional reflete a subordinação do Estado à sociedade, algo que se manifesta pela crescente ênfase nos direitos fundamentais ao longo do tempo. A Constituição é, portanto, uma expressão tanto do poder do Estado quanto das necessidades e direitos da sociedade.

Elementos da Constituição

A Constituição é formada por diversos elementos que são essenciais para sua compreensão e aplicação. José Horácio Meirelles Teixeira aponta os seguintes elementos constitucionais:

  • Elementos Orgânicos: Refletem a organização do Estado e do poder político, incluindo a divisão territorial e funcional do poder. Exemplos são os Títulos sobre a Organização do Estado e dos Poderes, como o Título III (“Da Organização do Estado”) e Título IV (“Da Organização dos Poderes”) da Constituição brasileira.
  • Elementos Limitativos: Relacionam-se à proteção dos direitos fundamentais, estabelecendo as limitações ao poder do Estado para garantir direitos individuais e coletivos. Isso é refletido em normas como as do Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) da CRFB.
  • Elementos Socioideológicos: Estabelecem os fins públicos, especialmente nas esferas econômica e social, guiando as políticas públicas e as relações entre o Estado e os cidadãos. Exemplos incluem os Títulos VII (“Da Ordem Econômica e Financeira”) e VIII (“Da Ordem Social”).
  • Elementos de Estabilização Constitucional: Tratam da proteção da própria Constituição e da ordem jurídica, incluindo mecanismos de controle e defesa da Constituição, como as ações diretas de inconstitucionalidade e o controle judicial das normas constitucionais.
  • Elementos Formais de Aplicabilidade: Refletem as técnicas de aplicação das normas constitucionais, como as normas presentes no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
  • Preâmbulo: A natureza jurídica do Preâmbulo da Constituição é controversa. Alguns doutrinadores defendem que ele não tem valor normativo, enquanto outros entendem que contém princípios normativos. O Supremo Tribunal Federal considera que o Preâmbulo reflete os ideais e a ideologia do constituinte, mas não possui relevância jurídica.

Tipologia da Constituição

A Constituição pode ser classificada sob diferentes critérios, levando em conta sua forma, objeto, origem, elaboração, dogmática, modelo, sistema, extensão, estabilidade e concordância com a realidade política.

  1. Classificação quanto à Forma:
    • Escrita: Composta por um único documento formal, como a Constituição brasileira.
    • Não escrita (ou costumeira): Formada por precedentes judiciais, costumes e convenções, como a Constituição inglesa.
  2. Classificação quanto ao Objeto:
    • Liberal: Focada na limitação do Estado e na proteção das liberdades individuais, como a Constituição dos Estados Unidos.
    • Social: Combina a proteção dos direitos individuais com a intervenção do Estado na economia para garantir o bem-estar social, como a Constituição brasileira.
  3. Classificação quanto à Origem:
    • Outorgada: Imposta unilateralmente pelo poder constituinte, sem a participação popular, como a Constituição chinesa.
    • Promulgada: Resultante de um processo deliberativo, com participação popular, como a Constituição brasileira.
    • Bonapartista: Criada por um líder ou grupo que consulta o povo, mas mantendo um controle centralizado, como a Constituição venezuelana.
  4. Classificação quanto ao Modo de Elaboração:
    • Dogmática: Elaborada por um órgão constituinte, refletindo os valores do momento histórico, como a Constituição brasileira.
    • Histórica: Evolui a partir dos fatos sociopolíticos e é um reflexo da experiência histórica do povo, como a Constituição inglesa.
  5. Classificação quanto à Dogmática:
    • Ortodoxa: Formada por uma ideologia dominante, como a Constituição cubana.
    • Eclética (ou pluralista): Resulta do compromisso entre diferentes ideologias e forças políticas, como a Constituição brasileira.
  6. Classificação quanto ao Modelo:
    • Garantia: Limita o poder do Estado e garante as liberdades individuais, como a Constituição americana.
    • Balanço: Registra os estágios da relação de poder, como a Constituição da Coreia do Norte.
    • Dirigente: Estabelece objetivos futuros e define as finalidades do poder político, como a Constituição brasileira.
  7. Classificação quanto ao Sistema:
    • Principiológica: Predominam os princípios gerais e valores abstratos, exigindo uma concretização prática, como a Constituição brasileira.
    • Preceitual: Predominam as regras concretas, com maior grau de aplicabilidade imediata, como a Constituição mexicana.
  8. Classificação quanto à Extensão:
    • Sintética: Estabelece de forma concisa a estrutura do Estado, como a Constituição dos EUA.
    • Analítica: É detalhada e prolixa, como a Constituição brasileira.
  9. Classificação quanto à Estabilidade:
    • Rígida: Exige um processo especial para alterações, como as Constituições brasileira e italiana.
    • Flexível: Pode ser alterada por processos legislativos ordinários, como a Constituição italiana de 1848.
    • Semirrígida: Combina partes rígidas e flexíveis, como a Constituição brasileira de 1824.
    • Granítica: Não pode ser modificada, como a Constituição finlandesa de 1919.
  10. Classificação quanto à Concordância com a Realidade Política:
  • Normativa: A ordem constitucional está em conformidade com a realidade política, como a Constituição de 1988.
  • Semântica: A ordem constitucional não é refletida na realidade política, como nas Constituições de 1937 e 1967.
  • Nominal: A Constituição é dotada de um caráter prospectivo, mas não reflete totalmente a realidade política do momento, como as Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1946.

Outras Classificações da Constituição segundo Doutrinadores Brasileiros

A doutrina brasileira apresenta diversas classificações da Constituição que expandem a compreensão sobre sua natureza e função. Entre elas, destaca-se a Constituição oral, conforme definida por José Cretella Júnior, a qual é transmitida verbalmente por um líder político que detém o poder. Para Paulo Bonavides, surge o conceito de Constituição dualista ou pactuada, que resulta de um acordo entre a monarquia e o parlamento, mesclando princípios monárquicos e democráticos.

Raul Machado Horta, por sua vez, descreve a Constituição plástica, uma Constituição que se interpreta conforme os princípios fundamentais, sendo essencial para validar atos do legislativo, do poder executivo e da justiça. Já Luiz Pinto Ferreira apresenta a Constituição total, uma abordagem que integra aspectos econômicos, sociais, jurídicos e filosóficos, buscando organizar de maneira coesa o ordenamento jurídico do Estado e da sociedade.

Nagib Slaibi Filho propõe o conceito de Constituição transitória, uma norma constitucional temporária, criada durante um processo político em curso, passível de modificações para refletir as transformações nas esferas econômica, política e social.

Gisele Cittadino, por sua vez, discute a Constituição procedimental, um tipo de Constituição voltada à definição das regras que regulam o processo político. Nesse caso, são estabelecidas normas para que o legislador ordinário possa decidir sobre os valores que orientarão as ações do Estado.

Finalmente, Maria Manuela Magalhães Silva e Dora Resende Alves introduzem o conceito de Heteroconstituição, que se refere às Constituições elaboradas fora do território do Estado que a adota. Exemplos clássicos desse tipo de Constituição incluem as de países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que foram sancionadas pelo parlamento britânico.

Essas classificações ampliam o entendimento sobre a diversidade de formas e contextos em que uma Constituição pode ser elaborada e aplicada, considerando as dinâmicas históricas, políticas e sociais de cada período.

CONCLUSÃO

Portanto, a constituição brasileira é classificada como:

  • Escrita
  • Social
  • Promulgada
  • Dogmática
  • Eclética
  • Dirigente
  • Principiológica
  • Analítica
  • Rígida
  • Normativa
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