Interpretação constitucional

Explore os princípios e métodos de interpretação constitucional, incluindo proporcionalidade, presunção de constitucionalidade e métodos.

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: CONCEITO

A interpretação constitucional é entendida como o processo intelectual de desvelamento do significado, alcance e conteúdo de uma norma da Constituição, utilizando-se de regras e princípios da hermenêutica jurídica, com o objetivo de aplicá-la ao contexto de um fato, respeitando a capacidade expressiva do texto constitucional.

Esse processo pode ser dividido em três etapas: (i) identificação da norma constitucional, resolvendo possíveis conflitos de normas no tempo (Direito Constitucional Intertemporal) e no espaço (Direito Constitucional Internacional); (ii) interpretação, que envolve a atribuição de significado ao texto constitucional, sendo tanto um ato de vontade quanto um ato de conhecimento; e (iii) aplicação da norma, quando a norma é confrontada com os fatos para sua efetiva aplicação.

Além disso, o processo de interpretação constitucional pode ser distinguido em: (i) interpretação, que é uma atividade predominantemente valorativa, orientada pelos métodos de hermenêutica jurídica; e (ii) complementação da norma constitucional, que se dá por meio da integração (quando há lacuna), utilizando instrumentos como analogia, equidade e princípios gerais do direito, e pela correção (em casos de antinomia), com a ponderação de princípios ou o uso de métodos como especialização, hierarquia e cronologia em situações de colisão de normas, buscando garantir a coerência do ordenamento jurídico.

Quanto ao papel do intérprete, a doutrina e a jurisprudência destacam a objetividade necessária, pois o intérprete está limitado pelas possibilidades exegéticas do texto e pelos princípios de interpretação constitucional. Contudo, a neutralidade é impossível, uma vez que a interpretação reflete a posição do intérprete em relação ao direito e à vida. Nesse sentido, Plauto Faraco de Azevedo observa que o processo interpretativo carrega uma perspectiva pessoal do intérprete, e o Supremo Tribunal Federal destaca que o juiz, ao decidir, deve buscar a solução mais justa, considerando sua formação humanística antes de recorrer à dogmática para fundamentar a decisão.

PARTICULARIDADES NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A interpretação constitucional possui quatro características essenciais: superioridade hierárquica, caráter político, conteúdo específico e natureza da linguagem.

  1. Superioridade hierárquica: A interpretação constitucional se dá sobre normas que são a base de validade de todas as normas legais no ordenamento jurídico, originadas do poder constituinte e com efeitos no controle de constitucionalidade.
  2. Caráter político: A interpretação constitucional lida com normas que legitimam e limitam o poder político, já que a Constituição não só legitima o poder transferido pela sociedade ao Estado, mas também impõe limites à atuação estatal sobre a sociedade.
  3. Conteúdo específico: A interpretação constitucional abrange normas que regulam a divisão do poder político, protegem os direitos fundamentais e definem as diretrizes da ordem econômica e social, além de estabelecer formas de aplicação e proteção das próprias normas constitucionais.
  4. Natureza da linguagem: As normas constitucionais possuem um caráter mais aberto e menos denso, o que exige do intérprete uma operação de concretização, conferindo-lhe certa liberdade para moldar a aplicação da norma. Essa abertura decorre da estrutura principiológica das normas constitucionais, sendo que eventuais conflitos entre princípios devem ser resolvidos por meio da ponderação, com o risco de maior intervenção do Poder Judiciário na concretização dos valores constitucionais. Esse cenário implica uma atuação mais proeminente do Judiciário na vida pública.

Por fim, a nova abordagem da interpretação constitucional, que enfatiza a normatividade dos princípios, a ponderação de valores e a argumentação jurídica, não se alinha à comparação feita por Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, que via o juiz como ator e o legislador como dramaturgo, dado que a interpretação constitucional envolve uma adaptação mais dinâmica das normas à realidade concreta.

PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A hermenêutica constitucional é a disciplina que se dedica ao estudo e sistematização dos princípios que orientam a interpretação da Constituição, aplicando-os na compreensão do texto constitucional.

Assim, a interpretação constitucional é guiada por oito princípios: (i) supremacia da Constituição; (ii) unidade da Constituição; (iii) correção funcional; (iv) interpretação conforme a Constituição; (v) presunção de constitucionalidade; (vi) eficácia integradora; (vii) máxima efetividade; e (viii) proporcionalidade.

PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

O princípio da supremacia da Constituição estabelece que ela ocupa a posição de norma de maior hierarquia no sistema jurídico, sendo a base de validade para todas as outras normas do ordenamento. A supremacia se divide em formal e material. A supremacia formal refere-se à hierarquia entre a Constituição, criada pelo poder constituinte originário, e as demais normas, que são produzidas pelos poderes constituídos. Já a supremacia material enfatiza a importância das normas constitucionais, que definem a estrutura do Estado.

Esse princípio implica dois aspectos: primeiro, a Constituição é superior às outras normas, devido à sua origem no poder constituinte originário, e segundo, exige a atuação da jurisdição constitucional para garantir sua supremacia.

Vale ressaltar que a supremacia não se confunde com a rigidez constitucional. A rigidez se refere ao processo formal de alteração da Constituição, que é mais difícil que o processo legislativo ordinário. Já a mutação constitucional ocorre quando, sem alterar o texto da Constituição, seu sentido ou alcance é modificado, adaptando-se às novas realidades. Embora a doutrina clássica exclua o controle de constitucionalidade em Constituições flexíveis, a doutrina moderna admite esse controle, desde que restrito a aspectos formais.

A rigidez da Constituição pode variar entre os Estados, dependendo do grau de dificuldade para emendar o texto constitucional. Nos EUA, por exemplo, o processo de emenda é mais complexo que no Brasil.

PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO

O princípio da unidade determina que a Constituição organiza o ordenamento jurídico de forma sistemática, sendo todas as normas constitucionais interdependentes. Elas podem ser de princípios (mais abstratas) ou regras (mais concretas), mas todas têm validade comum e originam-se da mesma fonte, sem uma hierarquia normativa, embora possam existir uma hierarquia axiológica.

Quando surgem antinomias entre normas, a solução se dá por dois critérios: se as normas provêm do mesmo sistema jurídico, os conflitos entre princípios são resolvidos pela ponderação de valores, enquanto os conflitos entre regras são solucionados pela hierarquia (lex superior derogat inferiori), cronologia (lex posterior derogat priori) ou especialidade (lex specialis derogat generali). Quando as normas provêm de sistemas jurídicos diferentes, o conflito é resolvido por direito internacional privado (no caso de conflito no espaço) ou direito intertemporal (no caso de conflito no tempo).

PRINCÍPIO DA CORREÇÃO FUNCIONAL

O princípio da correção funcional exige que os tribunais e juízes, ao interpretar a Constituição, respeitem as competências atribuídas a cada órgão constitucional, garantindo o equilíbrio entre os Poderes do Estado. Isso assegura que o respeito aos direitos fundamentais seja mantido, evitando que um poder se sobreponha aos outros, o que configuraria uma supremacia inconstitucional de um órgão sobre os demais. Assim, a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a preservar a integridade e as funções dos diferentes Poderes.

PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

O princípio da interpretação conforme a Constituição orienta que, quando há dúvida sobre a constitucionalidade de uma norma jurídica com múltiplos significados, deve-se optar por uma interpretação que favoreça sua validade. Esse princípio se divide em dois subprincípios: o primeiro, baseado na doutrina norte-americana, estabelece que uma norma só pode ser considerada inconstitucional quando sua invalidade for evidente. O segundo, inspirado na doutrina alemã, sugere que, se possível, a norma deve ser interpretada de maneira compatível com a Constituição, preservando seu conteúdo, mas ajustando seu alcance sem alterar seu texto. A distinção entre interpretação conforme a Constituição e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto está no fato de que a primeira trata da exclusão de interpretações incompatíveis, enquanto a segunda se refere à exclusão de possíveis aplicações da norma.

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

O princípio da presunção de constitucionalidade afirma que as leis e atos normativos são presumidos válidos, salvo se declarados inconstitucionais. Essa presunção pode ser revertida através do controle difuso e concentrado de constitucionalidade. No controle difuso, a inconstitucionalidade de uma norma só pode ser declarada pela maioria do plenário do tribunal, conforme o artigo 97 da Constituição. Já no controle concentrado, a presunção de constitucionalidade envolve a atuação do Advogado-Geral da União para defender a validade da norma e possibilita a suspensão de sua eficácia até a decisão final do tribunal. Embora o Executivo possa se abster de aplicar uma norma que considere inconstitucional, ele poderá ser responsabilizado pelos danos causados caso essa decisão prejudique terceiros.

PRINCÍPIO DA EFICÁCIA INTEGRADORA

O princípio da eficácia integradora determina que a Constituição deve atuar como um fator de união política, buscando integrar e pacificar as relações entre os poderes e entre estes e a sociedade. Assim, a interpretação constitucional deve sempre visar à construção de um ordenamento harmônico e coerente entre as diferentes esferas do Estado e a sociedade.

PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE

O princípio da máxima efetividade preconiza que a interpretação das normas constitucionais deve atribuir a elas o maior sentido de eficácia possível, garantindo que seus objetivos sejam plenamente alcançados. A interpretação que limita ou suprime a finalidade das normas é vedada. As normas constitucionais possuem diferentes graus de eficácia: aquelas que conferem direitos subjetivos, com prestações materiais, têm eficácia positiva, permitindo a exigibilidade de seus direitos perante o Judiciário. Já as normas que definem os fins do Estado, mas não especificam os meios para alcançá-los, possuem eficácia negativa, impedindo a implementação de políticas contrárias aos seus preceitos ou a revogação de normas infraconstitucionais sem substituição adequada.

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade estabelece que a validade dos atos do Poder Público deve ser avaliada segundo três critérios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Esses conceitos não se confundem com os princípios da concordância prática, proibição do excesso e razoabilidade. A concordância prática, por exemplo, não envolve a comparação de bens ou valores, como no caso da proporcionalidade. A proibição do excesso, por sua vez, não se refere a omissões ou ações insuficientes dos poderes estatais, mas sim à aplicação de meios adequados. A razoabilidade, oriunda do direito anglo-saxônico, foca na compatibilidade entre os meios e fins, enquanto a proporcionalidade, de raiz germânica, detalha os parâmetros de adequação, necessidade e proporcionalidade estrita.

A adequação refere-se à relação lógica entre os meios e os fins, como em um exemplo de medidas contra doenças que não são desproporcionais à situação. A necessidade envolve a escolha do meio menos gravoso, como a interdição de uma fábrica quando há alternativa menos severa para resolver o problema. Já a proporcionalidade em sentido estrito diz respeito à ponderação entre o custo de um ato e o benefício que ele gera, como no caso de medidas excessivas contra vandalismo, que podem sacrificar direitos sem benefício suficiente.

Esse princípio tem sido aplicado além do direito material, estendendo-se ao direito processual e penal. No processo, a celeridade das ações é fundamental para garantir a duração razoável do processo. No direito penal, o Estado deve empregar meios eficazes para proteger bens jurídicos relevantes.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído no uso da proporcionalidade. Em decisões como o recurso extraordinário nº 18.331, o STF reconheceu que o poder de taxar não pode ser abusivo, respeitando os limites da liberdade e da propriedade. Em outros casos, como o recurso nº 76.163, a corte ressaltou que os atos administrativos devem ser motivados adequadamente, e no caso da ação direta de inconstitucionalidade nº 855, afirmou que a legislação impugnada poderia ser invalidada por ofensa ao princípio da proporcionalidade. A jurisprudência também se manifesta na Súmula do STF, com verbetes que estabelecem limites à ação coercitiva do Estado, como no caso da interdição de estabelecimentos ou apreensão de mercadorias para cobrança de tributos.

Essa evolução no entendimento da proporcionalidade reflete sua aplicação crescente em diversas áreas do direito, sempre visando um equilíbrio entre os meios utilizados pelo Estado e os fins perseguidos.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A interpretação constitucional pode ser realizada por métodos clássicos ou modernos, dependendo da aplicação de normas tradicionais de hermenêutica jurídica, com raízes no direito romanista e civilista.

MÉTODOS CLÁSSICOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Os métodos clássicos de interpretação constitucional podem ser classificados com base na origem, no meio utilizado e na finalidade.

Interpretação legislativa, administrativa, judicial e doutrinária

Em relação à origem, a interpretação pode ser legislativa, administrativa, judicial ou doutrinária:

  • A interpretação legislativa ocorre no processo legislativo, quando o Poder Legislativo elabora normas ou aprecia vetos por inconstitucionalidade.
  • A interpretação judicial é realizada pelo Poder Judiciário, especialmente no controle de constitucionalidade ou na aplicação de remédios constitucionais.
  • A interpretação administrativa é praticada pelo Poder Executivo, que pode deixar de aplicar normas consideradas inconstitucionais.
  • A interpretação doutrinária é exercida por estudiosos do direito, especialmente em obras jurídicas.

Interpretação gramatical, histórica, sistemática, lógica e teleológica

Em relação ao meio utilizado, a interpretação constitucional pode ser classificada como gramatical, histórica, sistemática, lógica ou teleológica:

  • A interpretação gramatical analisa os aspectos linguísticos do texto constitucional, como pontuação e etimologia das palavras.
  • A interpretação histórica examina os antecedentes da norma, como os trabalhos preparatórios e as condições que influenciaram sua elaboração.
  • A interpretação sistemática considera a norma dentro do contexto jurídico, levando em conta a sua relação com outras normas do sistema.
  • A interpretação lógica busca a compatibilidade entre as normas constitucionais através de raciocínios lógicos.
  • A interpretação teleológica foca nos objetivos e valores que a norma constitucional visa proteger.

Interpretação declarativa, restritiva e extensiva

Em relação à finalidade, a interpretação constitucional pode ser declarativa, restritiva ou extensiva:

  • A interpretação declarativa ocorre quando o significado atribuído ao texto é congruente com a intenção do legislador, sem necessidade de ajustamentos.
  • A interpretação restritiva é aplicada quando o significado do texto é limitado, restringindo seu alcance.
  • A interpretação extensiva acontece quando o significado do texto é ampliado além do literal, para abranger situações não expressamente mencionadas.

MÉTODOS MODERNOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Os métodos modernos de interpretação constitucional incluem o científico-espiritual, o tópico-problemático, o normativo-estruturante e o hermenêutico-concretizador.

Método científico-espiritual

Desenvolvido por Rudolf Smend, este método critica a interpretação jurídica convencional, propondo uma análise global da Constituição, considerando seus aspectos materiais e teleológicos. A Constituição deve ser interpretada como um todo integrado, levando em conta os valores políticos, sociais, econômicos e culturais que a sustentam. A interpretação deve refletir a realidade concreta da vida, entendendo a Constituição não apenas como norma jurídica, mas como uma realidade dinâmica e integradora.

Método tópico-problemático

Proposto por Theodor Viehweg, esse método é pragmático e busca resolver problemas concretos. A interpretação é aberta e fragmentada, permitindo que o intérprete escolha a solução mais adequada para cada caso, com base nas várias possibilidades de interpretação do texto constitucional. A interpretação é orientada para a análise do problema, com base em diferentes pontos de vista extraídos da polissemia da Constituição.

Método normativo-estruturante

Desenvolvido por Friedrich Müller, esse método diferencia o texto da norma constitucional, considerando o texto como apenas a parte visível de um “iceberg” normativo. A interpretação constitucional deve examinar o programa normativo, representado pelo texto, e o domínio normativo, que corresponde à realidade social que a norma visa regular. O processo interpretativo revela a norma de decisão, ou seja, a norma aplicável ao caso concreto, através de uma análise semântica e contextual.

Método hermenêutico-concretizador

Elaborado por Konrad Hesse, esse método combina a subjetividade do intérprete com a objetividade do problema concreto. A interpretação constitucional é baseada em uma pré-compreensão do intérprete, ou seja, uma formação de juízo antecipado sobre a norma, e na análise do problema concreto a ser resolvido. O método busca conciliar a flexibilidade da interpretação com a segurança do texto normativo, tratando o problema e o sistema constitucional como elementos complementares no processo de concretização dos preceitos constitucionais.

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