O DIREITO CONSTITUCIONAL E O CONSTITUCIONALISMO
A teoria de Immanuel Kant acerca da conduta humana sustenta que a ação dos indivíduos é regida por esferas normativas, entre as quais se destacam a Moral e o Direito.
A Moral é caracterizada como uma norma unilateral, voltada para a preservação da liberdade psíquica do ser humano. O dever moral, portanto, se situa no âmbito interno da pessoa, sem necessidade de coerção externa para seu cumprimento.
Em contraste, o Direito é visto como uma norma bilateral, com a finalidade de garantir a liberdade física do indivíduo. Nesse contexto, o dever jurídico tem uma natureza externa e exige o cumprimento por meio da coerção, se necessário.
A interação entre essas duas esferas normativas é examinada de duas formas distintas: pela “Moral no Direito”, que analisa até que ponto as normas morais são incorporadas às normas jurídicas, e pela “Moral do Direito”, que investiga como as normas jurídicas podem ser condicionadas pelas normas morais, com o auxílio da Hermenêutica do Direito.
O Direito
O Direito pode ser analisado sob dois ângulos distintos: como um sistema normativo, denominado “Direito Positivo”, e como uma disciplina científica, chamada “Ciência do Direito”.
O Direito Positivo refere-se ao conjunto de normas que regulam a conduta humana por meio da aplicação da coerção, garantindo a ordem e a justiça social.
Já a Ciência do Direito envolve o estudo dessas normas jurídicas, sendo subdividida em diferentes ramos para fins didáticos e de compreensão. A classificação dos sistemas jurídicos pode ser feita com base nas duas grandes famílias: a Civil Law, de origem romana, e a Common Law, de origem anglo-saxônica. A principal diferença entre elas está na forma de produção e aplicação das normas. Na Civil Law, predomina a legislação como fonte primária do Direito, enquanto na Common Law a jurisprudência dos tribunais tem papel central na formação das normas jurídicas.
Com o tempo, essas distinções foram se atenuando, à medida que o Direito Romano-Germânico incorporou elementos da Common Law, e vice-versa. Exemplos disso são as inovações nos sistemas processuais, como as ações coletivas e o efeito vinculante nas jurisdições que seguem a Civil Law, ou as mudanças no processo judicial inglês e galês, que passaram a incorporar elementos de Direito Romano.
Dentro do Direito, a divisão clássica se dá entre o Direito Público e o Direito Privado. O primeiro tem como objetivo a proteção do interesse do Estado, enquanto o segundo se destina à defesa dos direitos dos indivíduos. A distinção entre esses ramos está diretamente relacionada à natureza das relações jurídicas: no Direito Público, prevalece a justiça distributiva, que regula as relações de subordinação entre o Estado e os indivíduos; no Direito Privado, a justiça comutativa rege as relações entre os próprios indivíduos, com ênfase na equidade e na proteção das partes.
No entanto, essa separação tem se tornado mais fluida ao longo do tempo, com a introdução de normas que mesclam características de ambos os ramos, como ocorre na regulação do Direito Internacional Público e do Direito do Trabalho.
Direito Constitucional
O Direito Constitucional é uma subárea do Direito Público que se dedica ao estudo das normas constitucionais, ou seja, as normas que organizam o poder estatal e garantem os direitos fundamentais dos cidadãos. Em termos gerais, o Direito Constitucional trata das regras que estruturam o poder político, dividindo-o de forma territorial e funcional, e asseguram os direitos individuais e coletivos dentro da ordem política e social.
Do ponto de vista didático, o Direito Constitucional se desdobra em três áreas principais: o Direito Constitucional geral, que aborda princípios comuns a todos os ordenamentos jurídicos; o Direito Constitucional comparado, que examina as normas constitucionais de diferentes países e ordenamentos, buscando estabelecer comparações temporais e espaciais; e o Direito Constitucional particular, que foca nas normas de uma Constituição específica, com ênfase em sua aplicação no contexto de um Estado particular.
Além disso, o Direito Constitucional mantém uma relação estreita com diversos outros ramos do Direito Público. Com o Direito Administrativo, por exemplo, o Direito Constitucional se relaciona ao estudar a estrutura do Estado e a organização do poder. Já com o Direito Eleitoral, as normas constitucionais definem as regras sobre alistamento e direitos políticos. Também há uma interação significativa com o Direito Penal, pois as normas constitucionais asseguram direitos fundamentais no âmbito da punição e da aplicação da lei, garantindo a inviolabilidade do indivíduo.
Outras conexões importantes envolvem o Direito Processual, no qual as normas constitucionais orientam a teoria do processo, assegurando o acesso à justiça de forma acessível, equitativa e proporcional. O Direito Tributário também se conecta ao Direito Constitucional, já que as normas constitucionais impõem limitações ao poder de tributar, com princípios que garantem a justiça fiscal e a proteção dos direitos do contribuinte.
Em suma, o Direito Constitucional não só organiza as bases do sistema jurídico de um país, mas também estabelece as interações entre diversos ramos do Direito, influenciando diretamente as práticas jurídicas cotidianas. Como observa Marcelo Rebelo de Sousa, o estudo do Direito Constitucional é fundamental para compreender o Estado e a Política, entender as instituições jurídico-políticas e valorizar o papel do Direito na construção de uma sociedade justa e igualitária.
O CONSTITUCIONALISMO
O conceito de constitucionalismo pode ser compreendido de várias maneiras, podendo ser visto como a defesa de uma Constituição escrita, como o processo evolutivo da história constitucional dos Estados, ou ainda como a função e o papel que a Constituição desempenha em diferentes sociedades.
Neste contexto, entretanto, o constitucionalismo se caracteriza principalmente como uma proposta teórica, ideológica ou metodológica, que busca a limitação dos poderes do governo sobre os governados, com o intuito de protegê-los contra o abuso de poder.
HISTÓRICO
O estudo do histórico do constitucionalismo é abordado tanto pela Ciência do Direito, sob uma perspectiva comparativa, quanto pelo Direito Positivo, com um enfoque particular nas tradições brasileiras.
Ciência do Direito comparado
O constitucionalismo se desenvolveu ao longo de várias fases históricas, com os modelos antigos, gregos, romanos, medievais, modernos, liberais, sociais e contemporâneos. Esses paradigmas foram influenciados pelas organizações políticas das nações europeias e, mais tarde, pela revolução anglo-franco-americana nos séculos XVII e XVIII.
Constitucionalismo antigo
O constitucionalismo no mundo antigo se espalhou por várias regiões, incluindo o Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Pérsia e Palestina, entre 3500 a.C. e 70 d.C. Durante esse período, o modelo político predominante era a teocracia, onde o poder político era subordinado ao poder religioso. Os monarcas, muitas vezes, eram considerados divinos ou agiam sob a vontade de Deus, o que fazia com que a autoridade política estivesse imbricada com a espiritualidade.
Constitucionalismo grego
O constitucionalismo grego, que se desenvolveu entre 1500 a.C. e 338 a.C., abrangeu as fases micênica, arcaica, clássica e helenística. Durante este período, a ideia predominante foi a onipotência do Estado, com a subordinação do indivíduo aos interesses coletivos. A liberdade, no contexto grego, era entendida como participação política ativa, enquanto a liberdade moderna é concebida como a garantia de uma esfera pessoal de autonomia, livre da interferência estatal.
Constitucionalismo romano
O constitucionalismo romano, que se estendeu de 753 a.C. a 395 d.C., viu a formação do Império Romano, que passou por três fases: real, republicana e imperial. A centralização foi uma característica marcante desse período, com o poder político sendo atribuído a uma única autoridade, muitas vezes um príncipe. No entanto, havia uma distinção entre o Direito Público, que tratava das questões de poder político e acesso a cargos públicos, e o Direito Privado, que envolvia aspectos como casamento legítimo e a realização de atos jurídicos.
Constitucionalismo medieval
O constitucionalismo medieval se manifestou entre 476 d.C., com a queda do Império Romano do Ocidente, e 1453 d.C., quando o Império Romano do Oriente sucumbiu diante da tomada de Constantinopla. Esse período foi caracterizado por um dualismo, com o poder político dividido entre o monarca e as instituições locais, como feudos e senhorios. Durante a Idade Média, a Igreja desempenhou um papel central na política, muitas vezes rivalizando com o poder secular, e o Príncipe tornou-se o centro de convergência da vida política, ao lado da Cidade, que representava o poder real.
Constitucionalismo moderno
O constitucionalismo moderno se formou entre 1453 e 1789, com a consolidação das monarquias nacionais e o surgimento da Revolução Francesa. A principal característica desse período foi a organização política centrada na nação, entendida como um grupo homogêneo, com identidade e interesses comuns entre seus membros. Além disso, esse período marcou a afirmação da soberania do Estado, que se consolidou como o detentor da capacidade de autodeterminação, tanto no plano interno quanto no internacional. O constitucionalismo moderno pode ser subdividido em estamental e absoluto.
O constitucionalismo estamental busca o equilíbrio entre o Estado e a sociedade, com a contraposição entre o poder real e os privilégios das classes sociais que haviam preservado os direitos adquiridos na Idade Média. Já o constitucionalismo absoluto é caracterizado pela centralização do poder nas mãos do monarca, com a união entre Estado e sociedade sob a figura do rei, cujos direitos eram justificados tanto por fundamentos divinos quanto racionais.
Constitucionalismo liberal
O constitucionalismo liberal, que se desenvolveu entre 1789 e 1917, foi uma reação às monarquias absolutistas e às estruturas estamentais. Sua base teórica está na limitação do poder político, tanto internamente, por meio da separação de poderes, quanto externamente, pela diminuição das funções do Estado na vida da sociedade. O constitucionalismo liberal pode ser dividido em dois tipos: o constitucionalismo de direito e o constitucionalismo de legalidade.
O constitucionalismo de direito é fundamentado no individualismo, com a ideia de que o poder político deve estar subordinado a leis naturais, garantindo direitos fundamentais mesmo que não expressamente escritos na legislação. Por outro lado, o constitucionalismo de legalidade é baseado no estatismo, onde o poder político é limitado a leis positivas derivadas da representação popular, com uma ênfase nas funções tradicionais de proteção e repressão, sem um papel ativo no desenvolvimento social ou na criação de direitos não previstos legalmente.
Constitucionalismo social
O constitucionalismo social surgiu entre 1917, com a Constituição mexicana, e 1989, com o fim da Guerra Fria, quando o Estado passou a adotar uma postura intervencionista, buscando proteger e promover o mercado, bem como atender às demandas sociais, econômicas e culturais das massas. Esse modelo também se baseou na organização internacional e na proteção universal dos direitos humanos. O constitucionalismo social se subdivide em três vertentes: o constitucionalismo de bem-estar social, o constitucionalismo socialista e o constitucionalismo totalitário.
O constitucionalismo de bem-estar social é caracterizado pela intervenção ativa do Estado nas áreas econômica e social, com a implementação de políticas públicas destinadas à efetivação dos direitos sociais e à promoção da igualdade. O constitucionalismo socialista, por sua vez, é marcado pelo dirigismo econômico, onde a economia é planificada de forma centralizada, com a classe trabalhadora assumindo o controle dos meios de produção. Finalmente, o constitucionalismo totalitário surge como uma reação contra o individualismo e o socialismo, em que o Estado exerce controle total sobre os indivíduos, suprimindo direitos fundamentais em nome do fortalecimento da nação e do poder central
Constitucionalismo Contemporâneo
O constitucionalismo contemporâneo é caracterizado pela flexibilidade ou até mesmo mitigação dos conceitos de soberania e nação, adaptando-se às novas realidades políticas e econômicas globais.
No que tange à soberania, o modelo tradicional já não atende plenamente às exigências contemporâneas de segurança. No plano interno, o Estado perde a capacidade de regular de forma absoluta todos os atos dentro de seu território, e, no âmbito internacional, a superioridade militar de algumas potências permite intervenções militares em outros países, que não dispõem de recursos para resistir a tais imposições externas.
A concepção clássica de nação também se revela inadequada para lidar com a complexidade da economia globalizada, onde as relações econômicas transcendem as fronteiras nacionais. A globalização facilita a interconexão de mercados, a concentração empresarial e uma nova divisão transnacional do trabalho, elementos que tornam a noção de nação limitada e insuficiente para organizar a economia de uma sociedade em massa.
Dessa forma, o Estado, bem como os direitos fundamentais, tornam-se passíveis de modificações internas e externas, influenciadas por fatores sociais, econômicos e políticos.
As mudanças externas, associadas às formas estatais, são indicadas pela adoção de novos modelos de associação entre os Estados, como resultado da solidariedade social, da globalização econômica e do surgimento de centros de poder político alternativos. Esses novos centros operam em esferas independentes do território nacional. Assim, as organizações políticas se agrupam no cenário internacional por meio de organismos de cooperação, integração ou unificação, que podem envolver tanto coordenação intergovernamental quanto a supranacionalidade, com o compartilhamento de soberanias para atender aos interesses transnacionais.
Já as mudanças internas, relacionadas às funções estatais, refletem a emergência de um novo modelo de consensualidade e subsidiariedade, que surge em resposta ao pluralismo social, à intervenção econômica do Estado e à participação na vida política. A organização política torna-se um instrumento a ser conduzido e supervisionado pela sociedade, buscando equilibrar a relação entre Estado e sociedade e, ao mesmo tempo, redesenhar a legislação, atribuindo poder normativo a agências reguladoras, que definem diretrizes conforme os marcos regulatórios preestabelecidos em lei. Além disso, há a transferência de funções públicas para entidades privadas, reduzindo a atuação do Estado a dimensões adequadas ao cumprimento de suas funções essenciais, bem como o uso de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação, a transação e a arbitragem.
Direito Positivo Brasileiro
A história constitucional brasileira é marcada por rupturas e mudanças constantes, com um movimento pendular entre momentos de democracia e períodos de ditadura cívico-militar. O “constitucionalismo luso-brasileiro”, que vigorou de 1808, com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, até 1824, com a promulgação da Constituição Imperial, foi profundamente influenciado por eventos como a Súplica de Constituição a Napoleão Bonaparte em 23 de maio de 1808, em Portugal, e a Revolução Pernambucana de 1817, no Brasil.
A “Assembleia Geral Brasílica e Constituinte Legislativa”, convocada pelo Príncipe Regente em 3 de junho de 1822, foi dissolvida em 12 de novembro de 1823, resultando na outorga da Constituição Política do Império do Brasil em 1824.
Constituição de 1824
A Constituição de 25 de março de 1824 estabeleceu que as matérias que não envolvessem os limites e as atribuições dos Poderes do Estado e os direitos civis e políticos poderiam ser alteradas pelas legislaturas ordinárias. Também fixou uma limitação para a reforma constitucional, estipulando um intervalo de quatro anos entre as alterações, após juramento da Majestade Imperial.
O Poder Moderador, considerado a chave de toda a organização política, foi delegado ao Imperador Constitucional, com a responsabilidade de zelar pela independência e harmonia entre os Poderes do Império. Embora garantisse direitos individuais, como a igualdade perante a lei, a constituição de 1824 limitava a liberdade àqueles que eram livres, ingênuos ou libertos, o que evidenciava a contradição entre os princípios liberais e a existência da escravidão no país.
Constituição de 1891
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 estabeleceu a República como forma de governo para o Brasil, consolidando o regime republicano proclamado pelo Governo Provisório em 15 de novembro de 1889.
A Carta de 1891 consagrou a união perpétua e indissolúvel dos Estados, fortalecendo a unidade nacional e, ao mesmo tempo, permitindo a pluralidade regional por meio da federação. O Presidente da República, eleito por voto direto, exercia simultaneamente as funções de chefe de Estado e chefe de governo. No entanto, sua relação com igrejas ou cultos religiosos foi vedada, garantindo um caráter laico para o Estado.
Constituição de 1934
A Constituição de 16 de julho de 1934 emergiu do constitucionalismo social-democrata, que defendia a intervenção do Estado na economia, com o objetivo de garantir a proteção social dos trabalhadores e o desenvolvimento econômico do país.
Essa Constituição introduziu o federalismo cooperativo, no qual as competências administrativas, legislativas e tributárias foram divididas tanto horizontalmente (entre os entes federados) quanto verticalmente (entre os diferentes níveis de governo). Além disso, garantiu o voto feminino, tornando-o obrigatório para mulheres com funções públicas remuneradas, como uma forma de promover a participação feminina na vida política.
Constituição de 1937
A Constituição de 10 de novembro de 1937 instituiu o regime político do Estado Novo, de inspiração fascista, com forte centralização do poder nas mãos do Presidente da República. A Carta atribuía ao Presidente a “autoridade suprema do Estado”, permitindo-lhe submeter decisões de inconstitucionalidade ao Parlamento Nacional. Com o estado de emergência declarado por prazo indeterminado, as garantias constitucionais foram suspensas em todo o território nacional, consolidando a ditadura e a repressão aos direitos fundamentais.
Constituição de 1946
A Constituição de 18 de setembro de 1946, fruto do constitucionalismo liberal-social, buscou conciliar a liberdade de iniciativa econômica com a valorização do trabalho humano, visando alcançar a justiça social.
Com a separação rigorosa dos Poderes, a Constituição de 1946 vedava a delegação ou avocação de competências entre eles. Além disso, trouxe de volta os direitos fundamentais, incluindo a greve, a inafastabilidade da jurisdição, a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e o direito de cidadãos impugnarem atos que lesassem o patrimônio do Estado.
Constituição de 1967
A Constituição de 24 de janeiro de 1967, que decorreu da ditadura cívico-militar estabelecida pelo Ato Institucional nº 1 de 1964, consolidou o federalismo hegemônico da União, com a concentração de poder no Executivo. A Constituição revelou a hipertrofia do Poder Executivo, que controlava não apenas a administração pública, mas também as forças armadas. Além disso, o regime repressivo do governo não oferecia proteção efetiva contra abusos de poder até a redemocratização do Brasil.
Constituição de 1988
A Constituição de 5 de outubro de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, estabeleceu a dignidade da pessoa humana como valor fundamental, o que impediu retrocessos sociais e determinou a promoção do mínimo existencial, respeitado o limite de recursos disponíveis do Estado.
O sistema presidencialista de coalizão foi consagrado, com a organização de coalizões partidárias que apoiavam politicamente a Presidência da República, e ao mesmo tempo, indicavam os Ministros de Estado. Os direitos fundamentais passaram a ser promovidos por meio de políticas públicas, marcando o ponto de culminância do processo de incorporação das lições do constitucionalismo contemporâneo no Brasil.
Instrumentos ou Mecanismos
A contenção do poder político se dá por meio de diversos mecanismos, entre os quais se destacam os direitos fundamentais, o controle de constitucionalidade, o federalismo estatal e o sistema de freios e contrapesos.
Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais, com especial ênfase nos direitos individuais, desempenham um papel crucial na limitação do poder político, ao estabelecerem, tanto em relação ao Estado quanto aos indivíduos, um dever de abstenção. Isso visa garantir a existência de uma esfera de liberdade para os cidadãos, protegida de intervenções indevidas. Exemplos clássicos de direitos individuais incluem o direito à vida, à liberdade de locomoção, à integridade física e moral, e à liberdade de consciência e crença.
Controle de Constitucionalidade
O controle de constitucionalidade funciona como um mecanismo de limitação do poder político, ao tornar ineficaz qualquer norma infraconstitucional — seja ela uma lei ou ato normativo — que contrarie os princípios ou as regras constitucionais. Esse controle assegura que as normas legais estejam alinhadas com a Constituição, impedindo que o Estado exerça sua autoridade de maneira desmedida ou sem fundamento legítimo no ordenamento jurídico.
Federalismo Estatal
O federalismo estatal limita o poder político ao impor uma divisão clara de competências entre os diferentes níveis de governo — nacional e regional — estabelecendo uma autonomia e independência para cada um dos entes federativos. Dessa forma, o federalismo assegura que os governos, embora coordenados, atuem dentro de esferas de competência próprias e bem definidas. Cada ente da federação deve, portanto, operar dentro dos limites do poder constitucionalmente atribuído, evitando interferências nos poderes de outros.
Freios e Contrapesos
O sistema de freios e contrapesos é uma ferramenta essencial na limitação do poder político, ao promover o controle mútuo entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa estrutura busca prevenir abusos e excessos de poder, garantindo o equilíbrio constitucional. O conceito de freios e contrapesos pode ser entendido como a capacidade de um Poder, ao confrontar o outro, restaurar o equilíbrio constitucional. Cada Poder tem formas de agir para limitar os excessos dos outros, o que mantém a legitimidade e a harmonia do governo. A Constituição da República consagra diversas disposições que refletem esse equilíbrio entre os Poderes, como o controle do Legislativo sobre o Executivo, a atuação do Executivo sobre o Legislativo e o controle do Judiciário sobre os outros Poderes, por meio de instrumentos como a revisão de atos normativos e o impeachment de autoridades.
Dimensões do Constitucionalismo
O Direito Constitucional contemporâneo se caracteriza por novas abordagens, que são refletidas em teorias, ideologias e métodos de investigação, como o garantismo, o transconstitucionalismo e o neoconstitucionalismo.
Garantismo
O garantismo parte da premissa de que os direitos fundamentais consagrados nas Constituições não devem ser apenas reconhecidos de forma abstrata, mas também concretamente garantidos. Ele busca estabelecer técnicas e mecanismos eficazes para assegurar a máxima efetividade dos direitos fundamentais, abrangendo não apenas o âmbito do Direito interno, mas também o Direito internacional. O garantismo visa assegurar a proteção de todos os direitos fundamentais contra quaisquer tentativas de violação por parte do poder público.
Transconstitucionalismo
O transconstitucionalismo se ocupa da interação e intercâmbio de elementos constitucionais entre diferentes Estados nacionais, independentemente das suas particularidades legislativas ou da história constitucional de cada um. Esse conceito, também denominado “interconstitucionalismo” ou “constitucionalismo transfronteiriço”, refere-se à prática de adotar e adaptar princípios constitucionais comuns em uma ordem global, visando resolver questões constitucionais que transcendam as fronteiras nacionais. A ideia central do transconstitucionalismo é que há uma troca de experiências e princípios constitucionais entre diferentes jurisdições, com o intuito de lidar com questões que afetam mais de um país e que são debatidas por tribunais constitucionais, nacionais e internacionais.
Neoconstitucionalismo
O neoconstitucionalismo surge como uma resposta às limitações tanto do jusnaturalismo quanto do juspositivismo, propondo uma nova abordagem que harmonize os direitos, a moral e a política. Esse movimento tem como base dois pilares principais. O primeiro se encontra na interface entre a Filosofia do Direito e a Filosofia Política, focando em estabelecer uma nova compreensão das relações entre o direito e a moral, com ênfase na legitimidade da ordem jurídica. O segundo pilar se relaciona à Teoria do Direito, destacando a importância da principiologia constitucional e da racionalidade do processo argumentativo no discurso jurídico. Esse novo paradigma busca superar a dicotomia entre naturalismo e positivismo, propondo um entendimento mais integrado e dinâmico do direito nas sociedades democráticas.
No contexto da argumentação jurídica, a diferença entre demonstração e argumentação é de fundamental importância. A demonstração, baseada em raciocínios lógico-formais, leva a conclusões necessárias, enquanto a argumentação se caracteriza por raciocínios persuasivos, fundados em premissas verossímeis, que conduzem a conclusões relativas e adaptáveis ao público específico. A efetividade do direito, portanto, não se dá apenas pela coercitividade das decisões judiciais, mas também pela aceitação voluntária da comunidade jurídica, alcançada por meio da força dos argumentos apresentados e da legitimação discursiva dos atos judiciais.